
Quem escreve padece de um troço chamado “inveja criativa”. Aquela sensação de gostar tanto de uma leitura que você só consegue pensar: eu devia ter escrito isso.
Quase nessa linha de invejar a arte alheia, noutro dia me peguei com uma questão: Que bom seria se os textos fossem como a música! Sim, eu, escritor, acho a música mais queridinha do público. Cheguei à conclusão óbvia de que as pessoas não passam tanto tempo com uma leitura quanto passam com uma canção.
O texto, primeiro, precisa superar a preguiça do leitor. Transpondo o obstáculo, é lido e – agradando ou não – está fadado a ser esquecido num canto qualquer. Ficar no arquivo do “até nunca mais”, numa gaveta, numa pasta ou na lixeira do computador. Difícil alguém reler e reler um texto. Tão raro quanto ser premiado com dois raios na mesma cabeça.
A música, ao contrário, é ouvida, ouvida e ouvida. Decorada. Cantada, cantarolada, assoviada. As pessoas ficam com ela o dia inteiro. Levam pra trabalhar, pra almoçar, pra tomar uma cerveja com os amigos. Não largam nem na hora do banho. Não duvido se você até já não tenha sonhado com uma chanson d’amour.
Percebo agora que meu caso não é de inveja. É só um ciúme besta, do tipo “você passa mais tempo com ela que comigo”.
Mas não posso condenar ninguém, também sou desses. Tenho meus grudes musicais. Vivo com minhas músicas de estimação pra cima e pra baixo. No chuveiro, sobretudo.
Passo vezes contemplando a felicidade da moça apaixonada em La Vie en Rose, de Edith Piaf. Me empatizo com os personagens do Adoniran, uma turma de esquecidos sociais elevados a protagonistas adoráveis. Vivencio de perto, quase de dentro, o Yesterday dos Beatles. Espero respostas do vento com Bob Dylan, em Blowin’ in the Wind. Saio com Cartola e só volto se me encontrar. E deixe-me ir. Cheguei a criar mentalmente a história de um casal de velhinhos, já praticamente meus amigos, com a Perfect, de Ed Sheeran. Tá bom, confesso, também já repeti mil vezes o “só quer vrau, vrau, vrau”. Quem nunca? Às vezes abuso do direito glamouroso de ser eclético. Afinal, O que é, o que é?, né, Gonzaguinha?
Admito. A música é mágica. Ponto. É feita exatamente pra andar com a gente pra por todos os cantos. Como se fosse nosso pet ou nós, os pets dela. Tanto faz. O importante é a boa companhia.
E já entendi que ciúme é besteira. Não tem motivo pra se comparar. Faço o que eu sei e pronto, pego minha caneta azul e escrevo. Mas, ah…, se os textos fossem como a música!
