
Aos 20 anos, eu era despreocupada e esperançosa estudante universitária em Bauru quando fui visitar uma cartomante conhecida na cidade. Buscava especular sobre o que me reservaria o futuro profissional e desvendar as intenções dos mocinhos pelos quais nutria sentimentos românticos. Curiosidades pueris e desejos inocentes.
Um pouco antes do final da consulta, porém, a mulher, de longos cabelos negros e óculos de lentes esverdeadas, fixou o olhar em três cartas alinhadas na mesinha de vidro e anunciou, sem rodeios — e sem piedade — que, num futuro longínquo, eu viria a sofrer grave acidente e a tragédia traria consequências severas.
A vidente esclareceu que não, não estava falando de um desastre automobilístico (alívio!). Ela se referia a um desastre aéreo (pânico!). Mas que não me desesperasse, pois não iria morrer no acidente. Desespero? A única coisa mais desesperadora do que escutar que você vai morrer num grave desastre de avião é escutar que você vai sobreviver a um grave desastre de avião.
Passei a ficar meio cabreira quando tinha que voar, mas ainda relativamente tranquila, pois estávamos falando de uma previsão a longo prazo. Quem voava pra lá e pra cá, sem a menor cerimônia, era o tempo. Os espanhóis costumam dizer que a vida são dois dias. O dito popular em épocas recentes ganhou um adendo — alguns ditados, conforme vão sendo maratonados, acabam tendo direito a uma segunda temporada. Assim que toda vez que, assombrado com a fugacidade da existência, um sujeito melancolicamente constata: ¨A vida são dois dias¨, alguém logo se apressa em complementar, com despiedade digna da cartomante bauruense: “E em um deles chove”.
Veloz feito Concorde supersônico, o futuro distante se fez presente. É aquela história que o Mario Quintana resumiu tão bem: “Quando a gente se dá conta, já são seis da tarde…¨ e o avião está caindo. Voadas já quase três décadas desde meu encontro com a vidente, se preciso adentrar em um grande pássaro de ferro, faço agora questão de relatar o episódio. Uma vez acomodada e com o cinto de segurança afivelado, bolsa sob o assento da frente, conferindo um ar de ordem; mesinha bem firme para garantir alguma sensação de estabilidade — é preciso se agarrar a alguma coisa —, comento, assim como quem não quer nada, com meu acompanhante — ou com a desconhecida da poltrona 9B: ¨Você tem medo de avião? Eu não tinha. Mas, aos 20 anos, fui a uma cartomante em Bauru e ela me disse que num futuro distante…¨
Foi o jeitinho que encontrei de me sentir menos solitária. Divido a história turbulenta com meu interlocutor e imediatamente tamo junto, no mesmo barco alado. Mas não narro o caso da cartomante de Bauru apenas para compartilhar tensões e observar a pessoa perder a fome, podendo eu ficar com o amendoim que em breve o comissário de bordo irá ofertar-lhe. Também não é só para quebrar o gelo com a moça da 9B (nada como o sofrimento para aproximar as pessoas). Ao revelar a suposta profecia — como estou fazendo nestas linhas — estranhamente sinto que contribuo para diminuir as chances de o pior de fato acontecer. É preciso se agarrar a alguma coisa.
A lógica é a mesma daquela por trás da ideia de não contar a ninguém o que desejamos ao avistar uma estrela cadente, sob risco de que a partir da revelação o pedido de acertar na Mega-Sena jamais se torne realidade. (Droga, lá se vão os 48 milhões). Só me resta torcer para que a estratégia funcione e os deuses me deixem passar mais um dia no meu destino. Se esbarrar comigo na fila de embarque, você começará a torcer também.
