Recebo o link, “Uma moldura para Clarice”, do escritor e amigo Humberto Werneck, nesta entrevista, o moldurista Jaime Vilaseca revela de que maneira a escritora Clarice Lispector mudou a sua vida.
Me impressionou nesta história o relato sobre o que Clarice lhe disse, “você vai ser moldureiro”, causando estranheza em Jaime, que era marceneiro e não moldurista; com seus mistérios sentenciou, “você não vai escapar ao seu destino.”
Existem pessoas que mudam o nosso rumo, enxergam algo que não percebemos.
No documentário, Glauber o Labirinto do Brasil, Sérgio Ricardo fala sobre quando Glauber Rocha lhe chamou para fazer a trilha e a orquestração do filme, Deus e o Diabo na Terra do Sol, sem que ele nunca tivesse escrito para orquestra.
O mesmo Glauber falou a Luiz Carlos Barreto que este deveria fazer a fotografia do filme, Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, com o argumento de que ele revolucionaria o cinema. Luiz era fotógrafo Still, acabou assinando a direção de fotografia do filme.
Este vídeo, compartilhado por Werneck, fez com que eu rebobinasse o tempo, repare.
Criei o blog Acre Infuso, em 2003/ 2004, misturava poesia, roteiro e cinema; ganhou uma menção honrosa do Quepe do Comodoro do saudoso Carlos Reichenbach,
Escrevia desde de menino, continuei e continuo morando na palavra.
Torquato Neto já me dizia, “Eu me viro/como/posso me virar.”
Em 2005, fui fazer uma reportagem com o escritor e crítico literário José Castello. Passados alguns dias perguntei a ele se poderia ler os meus poemas.
A partir dali tudo seria diferente.
Veja só, querido Humberto, onde o seu vídeo veio me levar, “Você não vai escapar ao seu destino”.
José Castello atendeu a ligação de Clarice Lispector, “José? Aqui Clarrrrrice Lispectorrrr, li seu conto e só tenho uma coisa a lhe dizerrrr: você é um homem muito medrrrroso e com medo ninguém escrrrreve”, e simplesmente desligou, foi a primeira grande crítica literária que ele recebeu.
Passei anos escrevendo nas sombras, em uma entrevista concedida ao Observatório de Imprensa, em 2007, José Castello diz: “aqui em Curitiba, sou um leitor solitário da literatura de um rapaz chamado Fabio Santiago, que ninguém conhece, que ninguém até hoje publicou, que tem inclusive dificuldades de acreditar no que ele mesmo escreve, mas que é um jovem de muito talento. Como convencer os outros disso?”
Castello mudou o meu destino e não parou por aí. Em sua crônica de 2011, Kerouac e Tchekhov muito confusos, escreve: “chega-me um e-mail do poeta Fabio Santiago, um jovem arredio e discreto, que tem o mau hábito de duvidar de seus próprios versos”
“Você não vai escapar ao seu destino”, o eco de Clarice batia em minha porta, na voz de José Castello.
Em 2015, larguei o jornalismo e comecei a trabalhar em uma biblioteca.
Repare, Humberto, lembro de minha mãe dizendo, “volte a fazer aquelas coisas que você fazia na juventude.”
Meus pais entenderam o fascínio do filho, seguiram me incentivando e proporcionando o acesso as expressões artísticas. Meus irmãos também me lotavam de referências.
Só não foi melhor porque meus pais não puderam ver isto.
Apesar de tudo, em certa medida, fiz as pazes com a vida.
Não escapei ao meu destino, me deram esta chance, nela me agarro até o fim.
Adeus, indo.

