Fabio Santiago: Virgulino, onde está você?

Quando elas saíram o ateliê estava vazio. A ligação cheirava mistério.

Binho Maturano, parecia em choque. Nervoso, deixava de lado a fala pausada e serena que lhe é

peculiar.

– O bando saiu meses após a queima!

Matutando começo a emendar as pistas.

Digo que não se preocupe, não devem estar longe.

Largo o telefone, é uma tarde chuvosa, quase 700 quilômetros nos separam, geograficamente falando.

O que faria o bando deixar a cidade? Sua morada, é isso!

As cabeças virgulinas tomaram o caminho, rumo ao sertão!

Perturba demais este sumiço!

O zum zumbido agreste começa logo ali, nestes sinais de vento.

Resolvo buscar ajuda com outro amigo do Rio.

Guilherme Tristão sempre demora para atender, sua vida é um filme.

– O que aconteceu?

-As cabeças virgulinas do escultor Binho Maturano, sumiram!

– Foram roubadas?

-Não, criaram vírgulas e meteram o pescoço na estrada!

– Onde eu entro nesta história?

Tristão é prático, não posso me enrolar com ele.

– Binho Maturano esculpiu as cabeças nas unhas, elas moravam no Rio de Janeiro.

Sei que ele possuiu uma casa no sertão. Elas devem fazer essa parada antes de rumar para grota.

O silêncio meticuloso de Tristão me diz que ele irá nos ajudar nesta aventura.

Sugiro que passe na casa do Binho, em Santa Tereza.

– Não devem estar longe, leve a Super 8 sonora e alguns cartuchos de filme. Registre a busca destas danadas. Devo encontrá-los na próxima semana.

– Ok, deixe comigo.

Guilherme levará também a 16mm na mochila, Enio Morricone será a sua trilha, sei disso.

Agora preciso urgentemente falar com Binho.

– Eram seis cabeças vírgulas caminhando sozinhas por aí!

Fico em silêncio. Pareço ouvi-las – Virgulino onde está você?

Angela é a loira da trama, elas costumam aparecer nas histórias. Parece assustada ao chegar em casa, diz ter visto as pescoçudas no centro da cidade.

– Seria um plano de fuga ao contrário?

– Nada de grota, ao que parece, seguem para a gruta!

 Ela compreendeu rápido o meu raciocínio.

– Do Monge?  São uns 70 quilômetros daqui.

– De que maneira chegaram tão rápido?

Eu conto a crônica como bem quiser! Quixotesco tasco um redemoinho no sertão, intenso e malfeitor, lança as cabeças para o sul do país.

– Isto explica o mistério das cabeças virgulinas!

Entramos no velho Jipe, enquanto dirijo em disparada, Angela envia mensagens para Binho e Guilherme. Precisam saber do acontecido.

– Nada deles, devem estar rumo ao sertão.

No percurso até a Lapa, avistamos seus pescoços vírgulas acenando na estrada, pedindo carona.

Paro o carro no acostamento, Angela conversa com elas. A sua beleza e delicadeza encanta as virgulinas, que entram no veículo. 

Levamos as danadas para jantar, a noite caía, sem mais mistérios, as cabeças virgulinas não paravam de falar – Virgulino onde está você?

– Na gruta, não, na grota!

Na tarde de quarta-feira, após desembarcarem no aeroporto, chegam em nossa casa.

Binho abraça as suas esculturas, Guilherme filma tudo.

Angela e eu, no silêncio do reencontro, deixamos as lágrimas pintarem o rosto.

Lançam um leve sorriso para nós.

– Deu tudo certo!

Angela, a loira, sentencia.

Para o sem fim do sertão, partiram.

O caso estava encerrado.

No silêncio, ouvimos um sussurro vindo do móvel.

– Virgulino, onde está você?

Parece que alguém resolveu ficar.

Comentários de 6

  1. Mais um conto de Fabio, onde sua (dele) habilidade em fletar como Realismo Fantástico. Muito bom.

    1. Querido amigo, muito grato por gastar o seu tempo com a minha escrita. Um brinde.

  2. Mais um conto de Fabio, onde sua (dele) habilidade em fletar com o Realismo Fantástico deleita o leitor
    Muito bom.

    1. Querido amigo, muito grato por gastar o seu tempo com a minha escrita. Um brinde.

  3. Um Kleber que saiu de Pernambuco e foi escrever em Santa Catarina! Amei!

    1. Obrigado pela leitura, querida Raquel.

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