
A cidade inundada pelo mar de sombras andarilhas, é pintura pintada.
Flanam, rastejam pelo calçadão, brinco de me esconder no claro escuro, volto a ser criança.
A minha sombra, alongada ao rés do chão, chama-se Asombra, demos de conversar nesta tarde, quando ela resolveu aparecer.
Esta mancha que me acompanha, deitada no solo, compõe músicas e baila. Sim! A minha sombra cria músicas e me conta que ao se descolar, caminha por aí em busca de sua musa, Aluz.
Conversamos sobre os sátiros e flautas, recordo o quadro, Ceres, de Alessandro Rosi.
Recito este fragmento do poema, Deus Pã, de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, “O Deus Pã não morreu,/ Cada campo que mostra/ Aos sorrisos de Apolo/ Os peitos nus de Ceres— / Cedo ou tarde vereis/ por lá aparecer/ O deus Pã, o imortal.”
Bebemos agora, parece divertir-se comigo.
Na escuridão de nós mesmos nos encontramos.
Sombras no dia ensolarado, arrastam-se e escorrem, alongam, encurtam, pintam o dia, dançam pelas paredes, manchas, vultos.
Dom Asombra, faz música bonita para sua esposa, assim como Macunaíma amava Ci, ele ama Aluz.
Digo que precisamos caminhar mais um pouco, logo a noite virá, fazendo com que ressurja apenas pelas luzes.
Antes de nos despedirmos do dia, conto que sou igual a ele, uma sombra andarilha.
Lunáticos e possessos sorrimos, entre espasmos e convulsões.
Inunda minha cabeça a música em seu voo rasante, delírio voraz e compulsivo pelo mundo de meu amigo.
Sombras andarilhas a desvirginar esquinas desconhecidas, vultos perturbados.
