
O encharcado ainda tenta encontrar abrigo, as nuvens continuam pesadas, galhos e folhas ao vento, a tempestade parece não ter fim.
Alvo fácil para relâmpagos, é preciso ficar longe das árvores, penso em gritar, alertar o moço, estou longe demais, não me escutaria.
Ele volta a correr feito barata tonta, entre a pista de cimento e a grama molhada, em disparada até perder o fôlego, o chão está liso, quase cai.
Estou colado na parede, protegido pelo beiral. Esta construção deve ser parte da administração do parque.
O sujeito parece ter desistido, abaixa a cabeça, o vento chacoalha, os cabelos desarrumam.
A paisagem fica cerrada, o temporal está mais forte, chego a perdê-lo de vista.
Muitas pessoas começam a chegar neste cantinho que encontrei para não me molhar.
Deveria ter saído com o guarda-chuva.
Trovões e relâmpagos fazem sua festa, a cada estrondo um acorde novo risca o céu, criando notas musicais da tormenta.
Volto a procurar o encharcado. Ele dança, baila sobre a grama empapada de tanta aguaceira e lama. Dever estar fora de si.
Ao meu lado as pessoas parecem não ver o dançarino.
Trovões batucam, relâmpagos, coriscos, clarão luminoso, fecho os olhos, ouço gritos, retorno a cena, está lá, caído no chão.
Será que ainda vive?
Pergunto para o senhor e a moça que estão quase colados em mim, na busca incessante de não se molhar – Vocês viram aquele rapaz na chuva?
Não viram nada, é o que respondem. Sentenciam meu delírio.
Não posso acreditar!
Chego a mostrar a localização do corpo, aponto, gesticulo.
Mudam o rumo da prosa com ares de simpatia – Que pé d’água! – Faz tempo que não vejo uma tempestade tão forte.
Nada respondo.
O encharcado parece levantar o braço, está com o punho cerrado.
Peço licença, preciso ajudar aquela pessoa, não posso assistir a tudo parado.
Então começo a correr, logo eu, que não sou corredor, a chuva castiga, dificulta, perco a velocidade, enxergo pouco, atravesso obstáculos, cimento, grama, poças, aguaceira, tromba d’água, encharco-me.
Abaixo da ponte que atravesso, o rio que envolve a geografia do parque, transborda.
Corro cegamente, chego a perder o rumo, enxugo as vistas, os pingos escorrem no rosto, preciso salvar essa alma que dança feito Gene Kelly.
Giro a cabeça, procuro, sumiu!
O céu molhado lava o meu rosto, agito o corpo mesmo sem saber dançar. Estou fora de mim.
A chuva turva às vistas, trovão, clarão, grito, lama, poça, aguaceira.
Despenco, bato a cabeça na grama molhada.
Encharcado, ali permaneço.
Meu corpo caído e caiado, ninguém viu dançar.

