
Caminho em super 8, quando não, em preto e branco.
As rotas repetem-se, de carro ou a pé, as paisagens são conhecidas, mesmo diante do acaso ou das mudanças, elas ainda alimentam as retinas.
Trago comigo o tempo em que andarilhei.
A cidade fica mais bonita quando o sol aparece e o calçadão brilha.
Neste passeio lento, recordo o escritor Valêncio Xavier escolhendo livros na Livrarias Ghignone, no Cine Ritz, onde assisti tantos filmes, surge-me a imagem da poeta Helena Kolody, ao lado do Cineasta Silvio Back, na sessão de “ A Babel da Luz.”
Tantas andanças pela Rua das Flores, a valsa argentina tocada no acordeom, não silenciou.
Sinto saudades daquela atmosfera da rua XV, com estas lembranças, caminho em poesia.
Esquivo-me daquela gente que suplica o retorno das sombras e defendem aquele que não gastarei a palavra para dizer o seu nome. Dou de ombros e vou.
Observo as construções e o verde das copas, um cachorro começa a caminhar ao meu lado, não sei o seu nome, mesmo assim aceito a sua companhia.
Colado na Boca Maldita, próximo à Praça Osório, há um homem em situação de rua deitado no chão, outro fala para o além, são pessoas engolidas pelo sistema excludente.
Na década de oitenta, ainda menino, ao lado de meus pais, lembro da quantidade de crianças abandonadas que povoavam o centro.
Na lentidão das lentes, minha sombra esticada segue-me.
O roteiro que escrevi em 2002, quase virou um Curta, no fim da década. Seria rodado no calçadão da rua XV. Caminhando por aqui, enxergo os enquadramentos sonhados.
Por mais que me escape a história, havia um personagem que esperava. Era para ser em preto e branco, chegou a ser selecionado em um edital.
Esta é uma lembrança do que quase existiu. Permaneceu no papel e na projeção que volta a passar nestas lembranças.
Sobre aquela história, alguém que largou tudo, retornava do exílio consentido para rever a cidade e esperar outro alguém.
Serei também uma ficção, andando pelo Petit Pavé do calçadão?
Terminarei esta caminhada com passos lentos.
No desarrumar das gavetas, em câmera lenta, guardei a tarde para mim.
