
Estava lá, ao lado dele, o amigo havia sido convidado para falar sobre o seu
livro, lançado há dois anos. Somente agora o descobriram.
Parecia nervoso por não lembrar mais do que havia escrito, relia o miolo, prefácio e orelha.
Pensei em distraí-lo, falei do valor de sua poética.
Era um evento grande, auditório lotado com muitos dos seus pares.
Notei que, distraído, mantinha a sua atenção na capa.
Aplausos da plateia, o palco é esvaziado. A produtora se aproxima de nós e lhe entrega o microfone, pede para que o mantenha desligado.
As luzes na plateia ganham intensidade, observo as pessoas indo de lá para cá, num
movimento frenético.
Neste intervalo, os técnicos testam sons e imagens. No telão penso ter ouvido o seu nome.
Está angustiado, vai de página em página, relê fragmentos e, de repente,
sossega.
Deposita em seus joelhos o livro e o microfone, olha para o
palco vazio.
As horas passam, pelo jeito esqueceram que era a sua vez.
O auditório começa a esvaziar brutalmente, estamos na última fileira, tristeza e desolação tomam conta dele.
Começo a ficar incomodado, penso sobre falta de respeito. Só por que é poeta?
Será que não querem lhe ouvir? Desistiram dele?
Abre a porta atrás de nós, consigo ver pessoas em uma mesa de som e vários monitores.
Continua ao meu lado, sentado, derrotado diante da indelicadeza.
Isso não pode estar acontecendo. Seria tudo isso um sonho?
Parece mesmo que o esqueceram, o grupo vocal começa a sua apresentação, na plateia pouquíssima gente.
Ele abaixa a cabeça em direção ao microfone, o livro repousa ao lado.
Pergunto se está tudo bem?
Ele me diz que não lembra do que escreveu, parece nunca ter visto aquilo.
A música aumenta e a inquietação toma conta de mim, procuro alguém da produção. A apresentação dever ser parte do encerramento.
A música termina, as palmas invadem o ambiente, o livro continua sobre as pernas, o
microfone calado vai ao chão, as luzes se apagam, sobrou apenas o silêncio.
Esqueceram do poeta e escritor, esqueceram a sua fala, ele esqueceu do seu livro, eu
esqueço se é sonho ou realidade.

Comentários de 6
A vida imita a arte ou a arte imita a vida?! Em poucas linhas faz emergir tanto sentimento…, misturado com tanta vontade de mudar a realidade da arte nesse mundo virtualizado em que nos afundamos. Estamos nos desumanizando e só a arte tem o poder de resgatar nossa versão humana… Milhões de parabéns por ser resistência Fábio!
Raquel, querida amiga. Obrigado pelos apontamentos, curta à beça. Um brinde.
Uma atmosfera onírica permeia esse conto maravilhoso do talentoso e amigo Fabio
Obrigado pela preciosa leitura, querido amigo Castioni. Um brinde.
Excelente sua crônica, Fabio!
Salve, Émerson, querido amigo, poeta e escritor. Obrigado pela preciosa leitura. Um brinde.