Fabio Santiago: Microfone calado

Estava lá, ao lado dele, o amigo havia sido convidado para falar sobre o seu

livro, lançado há dois anos. Somente agora o descobriram.

Parecia nervoso por não lembrar mais do que havia escrito, relia o miolo, prefácio e orelha.

Pensei em distraí-lo, falei do valor de sua poética.

Era um evento grande, auditório lotado com muitos dos seus pares.

Notei que, distraído, mantinha a sua atenção na capa.

Aplausos da plateia, o palco é esvaziado. A produtora se aproxima de nós e lhe  entrega o microfone, pede para que o mantenha desligado.

As luzes na plateia ganham intensidade, observo as pessoas indo de lá para cá, num

movimento frenético.

Neste intervalo, os técnicos testam sons e imagens. No telão penso ter ouvido o seu nome.

Está angustiado, vai de página em página, relê fragmentos e, de repente,

sossega. 

Deposita em seus joelhos o livro e o microfone, olha para o

palco vazio.

As horas passam, pelo jeito esqueceram que era a sua vez.

O auditório começa a esvaziar brutalmente, estamos na última fileira, tristeza e  desolação tomam conta dele.

Começo a ficar incomodado, penso sobre falta de respeito. Só por que é poeta?

Será que não querem lhe ouvir? Desistiram dele?

Abre a porta atrás de nós, consigo ver pessoas em uma mesa de som e vários monitores.

Continua ao meu lado, sentado, derrotado diante da indelicadeza.

Isso não pode estar acontecendo. Seria tudo isso um sonho?

Parece mesmo que o esqueceram, o grupo vocal começa a sua apresentação, na plateia pouquíssima gente.

Ele abaixa a cabeça em direção ao microfone, o livro repousa ao lado. 

Pergunto se está tudo bem?

Ele me diz que não lembra do que escreveu, parece nunca ter visto aquilo.

A música aumenta e a inquietação toma conta de mim, procuro alguém da produção. A apresentação dever ser parte do encerramento.

A música termina, as palmas invadem o ambiente, o livro continua sobre as pernas, o

microfone calado vai ao chão, as luzes se apagam, sobrou apenas o silêncio.

Esqueceram do poeta e escritor, esqueceram a sua fala, ele esqueceu do seu livro, eu

esqueço se é sonho ou realidade.

Comentários de 6

  1. A vida imita a arte ou a arte imita a vida?! Em poucas linhas faz emergir tanto sentimento…, misturado com tanta vontade de mudar a realidade da arte nesse mundo virtualizado em que nos afundamos. Estamos nos desumanizando e só a arte tem o poder de resgatar nossa versão humana… Milhões de parabéns por ser resistência Fábio!

    1. Raquel, querida amiga. Obrigado pelos apontamentos, curta à beça. Um brinde.

  2. Uma atmosfera onírica permeia esse conto maravilhoso do talentoso e amigo Fabio

    1. Obrigado pela preciosa leitura, querido amigo Castioni. Um brinde.

  3. Excelente sua crônica, Fabio!

    1. Salve, Émerson, querido amigo, poeta e escritor. Obrigado pela preciosa leitura. Um brinde.

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