Fabio Santiago: Espelhos Glaciais

A chegada do frio faz lembrar os desenhos que assistia na televisão, quando menino.

Queria ser igual aqueles ursos que hibernavam no inverno e só apareciam na primavera.

Gostava de ver o Picolino (Chilly Willy), o pinguim que adorava se manter aquecido e não gostava das baixas temperaturas.

O frio é psicológico, era o que ouvia naqueles anos oitenta e começo dos noventa.

A melancolia gosta de encostar nestas épocas e não quer mais sair.

O inverno deixa tudo triste e sombrio, as pessoas de cara amarrada, encasacadas, adoecendo abaixo do céu cinza e das paisagens pálidas

Olha, tenho propriedade para falar, já peguei friacas em Curitiba, Pato Branco, Ponta Grossa, Faxinal do Céu…das mais lascadas em Gramado e Santiago do Chile com o seu vale nevado, o que faz com que eu tenha condições de afirmar que o inverno realmente não é a melhor estação para eu estar.

Vou além, muitas pessoas dizem gostar desta época e listam com entusiasmo as suas vantagens, nunca me convenceram.

Para você ver que não estou blefando, perdemos o show da banda britânica, Gorillaz. Havíamos ganhado convites para ficar em frente ao palco. Naquele frio, nem pensar! Ela também não é chegada no inverno, não estou sozinho nesta.

“Se fizer bom tempo amanhã. Eu vou. Mas, se por exemplo, chover. Não vou.”, Dorival Caymmi e Chico Buarque aquecendo o meu pensamento.

Chuva até dá para encarar, mas se estiver acompanhada do frio, não vou mesmo!

Arredio, casmurro e consigo mesmo, reside em silêncios, até parece comigo.

Os espelhos, cruéis ou não, revelam a nossa imagem de cada dia.

Espelhos não mentem, será?

Nesta estação, meu amigo está sempre ausente, mesmo quando em seu trabalho, cercado de gente, parece estar em outro lugar. O inverno são os outros, sorri ao me dizer. E o inferno? pergunto.

O inverno é um inferno, até dá rima.

Compactuo com ele e o seu péssimo humor.

Rabugentos, poderiam nos definir.

Destas queixas também sei eu.

O espelho é terapêutico. Se os espelhos falassem?

Nesta época, ela que me inspira e me acompanha nesta vida, é quem segura a minha onda, cuida de tudo, das nossas finanças, organiza a nossa agenda e suporta a minha fúria melancólica invernal. Sem ela, não resistiria a esta estação do ano.

O amigo diz que toma vinho e come Fondue em qualquer estação e roupa de inverno não traz elegância, é tudo marketing! Faz de nós um esquimó.

Sem os casacos e as roupas de lã, estaríamos lascados, digo sem titubear.

O espelho parece não querer mais me ouvir. Meu amigo imaginário não está mais à disposição.

Do espelho fujo, revelará a minha identidade.

Ela está embaixo das cobertas.

Sigo virado em um iceberg, à deriva, em frente a tela em branco, que faz lembrar o Polo Norte.

Espelho Glacial.