
O primeiro passo seria apagar as redes sociais.
Faltava pouco para se livrar do telefone, aplicativo de mensagens e das obrigações com o trabalho.
Admirador de Salinger, Trevisan e Rimbaud, sonhava em escapar do mundo, ficar recluso ou até melhor, não deixar mais rastros.
Quem sabe uma ilha, foi o que me disse.
Completará sessenta e cinco anos neste mês e já enxerga a liberdade se aproximando, as correntes soltando de seus braços e pernas.
Aposentadoria, finalmente livre! Sorri e me chama para brindar.
Digo que não vejo a hora que chegue a minha vez.
Não me ouve, quer apenas falar.
Respeito o seu momento, sou todo ouvidos.
Fui ficando só, cada dia gosto mais de estar só.
Se alguém perguntar por mim, diga que não me viu, entendeu bem?
Vim falar contigo para me despedir. A boa notícia é esta, ninguém saberá por onde andarei.
Você já possui uma casa para morar nesta sua ilha?
Pois é, esta parte é mais complicada, precisarei ter um endereço, um banco perto para sacar o dinheiro, já que não usarei mais celular.
Precisará também de luz e água.
Vou fazer um poço artesiano, quanto a luz, putz!
Já pensou em energia solar?
Será que tem conta para pagar? Terei que ver isso também.
Sair do mundo sem morrer, ser alguém que não está conectado e não possui celular, dever ser uma liberdade sem fim, comento. Ainda mais recebendo pelos anos em que trabalhou firme.
Tenho que ver direito qual será o salário líquido, assim poderei viver recluso.
Digo que se estivesse aposentado, faria igual na juventude, passaria os dias em casa lendo, ouvindo música, assistindo filmes…
Não, é o que me responde! Nada disso me interessa, agora quero viver plantando árvores e cultivando hortas. Ah, nada de animais, apenas os silvestres.
Uma nova vida, falo em forma de incentivo.
O tempo que me resta, quero que seja pleno, em contato com a terra, essa que um dia me receberá.
Mudo de assunto, além de mim, quem mais receberá a sua visita de despedida?
Mais ninguém!
E por que eu?
Você foi o único que parou para me ouvir, que teve o mínimo de cuidado comigo, mesmo sendo você um sujeito esquisitaço e meio deprimido.
Deprimido, você acha isso?
Está na sua cara, deprimido e esquisito, um verdadeiro zero à esquerda.
Pelo menos estou à esquerda, é um alento.
Olha, como é mesmo o seu nome?
Você esqueceu? Tem certeza que está falando com a pessoa certa?
Deixa-me colocar os óculos. Eita, desculpe, não era com você que eu deveria estar falando. Na verdade, te acho um sujeito chato, solitário e casmurro que vive consigo mesmo. Vejo você sempre sozinho sentado nesta mesma mesa de bar.
Hum, então tá bom, boa sorte em sua viagem para Pasárgada.
Não irei para lá, vá você encontrar o Manuel!
Pode deixar! Siga bem em sua aposentadoria. Neste novo destino.
Que destino, Sr. Esquisito? Não te conheço e não falei nada disso!
Levantou-se furioso, era um sujeito ainda forte, fechou a cara e partiu.
Aceno para ele, tomo um gole, vejo que deixou a conta para eu pagar.
Era um homem triste, lembrava algum parente distante, por isso deixei que sentasse e falasse sem parar.
Eu esquisito e deprimido? Isso que dá conversar com estranhos.
Dois chopes e uma crônica.

Comentários de 6
Excelente Fabio!
Uma crônica sobre o verdadeiro desencontro. O solitário que jamais se deu o prazer de viver a vida que sempre sonhou e a confidência desta frustração à pessoa errada.
Uma reafirmação da imortal frase de Vinicius de Moraes: “A vida é a arte do encontro, apesar de haver tantos desencontros nessa vida.”
Salve, mestre Bernardo Vilhena. Obrigado pelos preciosos apontamentos. A vida é arte do encontro, você trouxe muito bem o poetinha. Abração amigo. Sua benção.
Muito bom!! Quem nunca? Hehehehe
Salve, querida Márcia. Sempre uma alegria ser lido por você. Bjs.
Esse mundo, que nós mesmos criamos, nos deixa sem saída para viver do jeito que queremos. Há poucas saídas pra escaparmos de algumas coisas, e por isso mesmo é excludente e nunca foi realmente democrático. Boa reflexão esse conto…
Obrigado pela leitura, querida Raquel. Bela reflexão em seu mergulho no texto. Um brinde.