Fabio Santiago: Desconhecido Segredo

Conheci o desconhecido que se esconde atrás das letras da seção de obituários de um semanário.

O homem consigo mesmo, pediu discrição.

Segredo, seria este o pedido?

Nesta conversa, revelou a solidão e o desejo de uma não existência.

A negação de pertencimento está evidenciada no pseudônimo que utiliza para assinar a sua necrologia diária.

Enredo deveras sepulcral, alimenta-se da vontade de não ser descoberto.

Um sujeito oculto, um segredo bem guardado, tendo em vista que ninguém no jornal viu o seu rosto ou esteve com ele.

Envia o material da seção por e-mail.

Estaria se escondendo do mundo dos vivos ou das almas nominadas no jornal?

É um trabalho jornalístico, quis eu minimizar o seu desolamento. Tem muito valor!

Nesta improvável conversa, Nosferatu das letras, abre seu castelo de incongruências.

Qual o interesse em revelar para mim, um estranho, numa mesa de bar o seu segredo?

Se permaneço neste lugar, onde um cemitério de lembranças amanhece nos jornais, é pela viagem, o mistério que esconde o escrevedor.

As relembranças transbordam após tantos chopes.

Se há um segredo, ei-lo aqui confessado.

Caminha solitário por entre as videiras, sabe que sozinho seguirá protegido.

Traz consigo um caminhar lento e desejo de fuga.

A sombra alonga-se, chega primeiro na estradinha de terra que leva a casa de seus pais.

Porta fechada, devem ter ido para a cidade comprar mantimentos.

Sem a caminhonete não há saída.

Não pertencer faz dele um forasteiro?

Diz-me em mais um transe, o pseudônimo.

Prefiro não repetir o seu segredo, preciso que continue a falar.

Peço que prossiga com as memórias que revela.

Eles não voltaram!

As videiras secaram e o rapaz precisou abrir a porta da casa na marra.

Após uma semana, na caixa de correio, uma página de jornal. Nela a seção de obituários estampava o nome de seus pais.

Ninguém procurou por ele. Nenhum familiar apareceu para dar a notícia.

Se houve enterro, foi o único não convidado.

Após esta revelação, mitigou a face e partiu.

Fiquei ali com este segredo, um segredo que não encaixa.

Finalizou me dizendo que depois da descoberta da perda, quis trabalhar na seção de obituários.

Se escreve em um periódico, foi contratado por alguém que sabe o seu nome.

Se os pais morreram em um acidente, por que ninguém lhe procurou?

Conheci um desconhecido que se esconde nas palavras, sejam elas escritas ou pronunciadas.

O seu segredo não mora em uma seção de jornal, muito menos na casa das videiras.

Deste esconde-esconde, eu fui o encontrado.

Na cadeira do bar avisto um pedaço de jornal com a seção de obituários, coloco os óculos, leio o meu nome.

Seria um homônimo?

Há sangue pingando nas páginas do jornal.

Deste segredo, sei eu.

Comentários de 2

  1. Vou tentar escrever um poema inspirado nessa crônica, enquanto estava lendo, os versos vieram no pensamento.

    1. Sensacional, querido Marcos. Obrigado pela leitura e por este presente. Um brinde.

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