Crônica: Os homens não são búfalos, por Silvio Valentin Liorbano   

Paulo Freire

O Brasil de 1921 não sabia do aparecimento do educador Paulo Freire – não sabia que nas terras nordestinas do Recife ele surgiria para ir além das fronteiras da terra natal e de sua nação.

Considerado um dos pensadores mais significativos e humanos da história da pedagogia mundial – não só por sua verve acadêmica (suas teses), mas principalmente pelo olhar generoso, pelo trabalho singular dedicado aos oprimidos.

Embora tenha nascido em uma família de classe média – o menino Freire leu o mundo ao seu redor e descobriu a pobreza e a fome na depressão de 1929. Talvez o ser humano só amadureça na dor.

Apesar dos percalços – das intempéries sociais todas -, o menino tomou corpo e, já diretor do Departamento de Extensões Culturais da Universidade do Recife (1961), formou um grupo para testar seu método de ensino na cidade de Angicos, RN. Lá alfabetizou 300 cortadores de cana em apenas 45 dias, num processo que se deu em apenas 40 horas de aula – e sem cartilha.

Com respaldo do governo do presidente João Goulart, projeta o Plano Nacional de Alfabetização, que previa a implantação de 20 mil núcleos – os chamados círculos de cultura em todo o território nacional.

Após o golpe militar de 1964, a iniciativa de alfabetização é extinta. Paulo Freire leu o mundo ao seu redor e passou setenta dias preso por ser considerado traidor. Provavelmente por ser um idealista – um homem que cria na educação como forma de libertação do oprimido, forma de superar com lápis e papel o jugo das baionetas.

Paulo Freire esteve exilado na Bolívia e trabalhou no Chile por cinco anos. Mesmo distante do Brasil, seu trabalho continuou tendo como foco os necessitados – ampliou seu olhar e leu nos olhos do continente a miséria da América Latina. E, mais tarde, da África.

Estamos no mês de setembro de 2023 (século XXI) – Paulo Freire completaria 102 anos de idade. Faremos festa, dançaremos ou não. Talvez alguém defenda alguma tese – talvez alguém faça um documentário, um longa-metragem – quem sabe alguém escreva uma biografia, homenagens justíssimas.

Na definição do professor e teólogo Leonardo Boff: “O professor é uma espécie de missionário que leciona em um bairro pobre pela manhã, à tarde num bairro de classe média alta e à noite num bairro de pessoas ricas. Só o professor é capaz de ligar as classes sociais”.

Talvez Paulo Freire tenha aberto um diálogo fecundo com as pessoas (independentemente de classes sociais) e tenha valorizado a profissão docente – e apontado a importância de ter gente disposta a formar gente.

Estamos em setembro de 2023 (século XXI) – Paulo Freire completaria 102 anos de idade. Faremos festa, dançaremos ou não. Talvez a melhor homenagem a ser oferecida ao ser humano e ao educador Freire seja a retomada do Plano Nacional de Alfabetização – a retomada de um movimento que faça das pessoas cidadãos e não apenas eleitores.

Os homens não são búfalos. Os homens reagem.          

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