Pela manhã, na biblioteca, o silêncio quase sempre impera, com ele prossigo nos afazeres diários.
Apenas os ruídos das teclas e do trânsito resolvem aparecer por aqui.
É uma manhã de sexta-feira, no intervalo tentarei revisitar Augusto dos Anjos, quem sabe dê jeito?
O funcionário da Gibiteca vem pedir auxílio, roeram a lombada do gibi.
Como assim?
O comedor roeu parte da revistinha e arrancou um naco do lombo.
Márcia, a bibliotecária responsável pelo setor, verifica o quadrinho da Mônica.
As bordas ainda estão molhadas.
Para ser mais exato, roeu a parte superior e inferior da lombada e mordeu o meio.
Será que o comedor de gibis comerá livros?
É o que me pergunto.
Nosso Hannibal Lecter deixou apenas a sua baba gulosa.
Uma traça, um rato? Que nada, um humano a comer papel.
Estaria ele com fome? Seriam as revistinhas em quadrinhos com capas duras os mais propícios para a comilança?
Talvez seja esta a sua predileção.
Quando chegará nos livros? A Metamorfose, do Kafka, será uma boa pedida, ou quem sabe, A Paixão Segundo G.H, da Clarice Lispector.
O que nos resta é a sua baba e as fraturas expostas da Mônica.
Pedem-me para entrar em ação, subo os lances de escada ao invés do rápido elevador, nesses passos pareço escutar os grunhidos do canibal, comendo a carne da revistinha. Sinto uma náusea, imagino ele roendo a lombo de, Alice no País das Maravilhas.
O responsável por todas as salas da Biblioteca abre em seu celular um aplicativo e consegue acessar as câmeras.
Informo que o gibi ainda está molhado e que isto deve ter acontecido no período da manhã.
Apareça, misterioso! Mostre seus dentinhos afiados e sua baba pegajosa!
Um vulto sorrateiro atravessa o ponto cego do sistema de câmeras.
Ele escapou!
Algo nos diz que em breve retornará.
Aos gibis e livros desejo a sorte de que não encontrem o comedor de lombadas.
Misterioso, mostre a sua face!

