Fabio Santiago: O encharcado

O encharcado ainda tenta encontrar abrigo, as nuvens continuam pesadas, galhos e folhas ao vento, a tempestade parece não ter fim.

Alvo fácil para relâmpagos, é preciso ficar longe das árvores, penso em gritar, alertar o moço, estou longe demais, não me escutaria.

Ele volta a correr feito barata tonta, entre a pista de cimento e a grama molhada, em disparada até perder o fôlego, o chão está liso, quase cai.

Estou colado na parede, protegido pelo beiral. Esta construção deve ser parte da administração do parque.

O sujeito parece ter desistido, abaixa a cabeça, o vento chacoalha, os cabelos desarrumam.

A paisagem fica cerrada, o temporal está mais forte, chego a perdê-lo de vista.

Muitas pessoas começam a chegar neste cantinho que encontrei para não me molhar.

Deveria ter saído com o guarda-chuva.

Trovões e relâmpagos fazem sua festa, a cada estrondo um acorde novo risca o céu, criando notas musicais da tormenta.

Volto a procurar o encharcado. Ele dança, baila sobre a grama empapada de tanta aguaceira e lama. Dever estar fora de si.

Ao meu lado as pessoas parecem não ver o dançarino.

Trovões batucam, relâmpagos, coriscos, clarão luminoso, fecho os olhos, ouço gritos, retorno a cena, está lá, caído no chão.

Será que ainda vive?

Pergunto para o senhor e a moça que estão quase colados em mim, na busca incessante de não se molhar – Vocês viram aquele rapaz na chuva?

Não viram nada, é o que respondem. Sentenciam meu delírio.

Não posso acreditar!

Chego a mostrar a localização do corpo, aponto, gesticulo.

Mudam o rumo da prosa com ares de simpatia – Que pé d’água! – Faz tempo que não vejo uma tempestade tão forte.

Nada respondo.

O encharcado parece levantar o braço, está com o punho cerrado.

Peço licença, preciso ajudar aquela pessoa, não posso assistir a tudo parado.

Então começo a correr, logo eu, que não sou corredor, a chuva castiga, dificulta, perco a velocidade, enxergo pouco, atravesso obstáculos, cimento, grama, poças, aguaceira, tromba d’água, encharco-me.

Abaixo da ponte que atravesso, o rio que envolve a geografia do parque, transborda.

Corro cegamente, chego a perder o rumo, enxugo as vistas, os pingos escorrem no rosto, preciso salvar essa alma que dança feito Gene Kelly.

Giro a cabeça, procuro, sumiu!

O céu molhado lava o meu rosto, agito o corpo mesmo sem saber dançar. Estou fora de mim.

A chuva turva às vistas, trovão, clarão, grito, lama, poça, aguaceira.

Despenco, bato a cabeça na grama molhada.

Encharcado, ali permaneço.

Meu corpo caído e caiado, ninguém viu dançar.

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