Fabio Santiago: Quer que eu conte outra vez?

O mundo gira mais lúdico e saboroso, quando chegam as mensagens vespertinas, enviadas por minha esposa Angela, com as palavras e expressões deliciosas que ouviu das sobrinhas.

– Dadai, que bonito o seu “olho de grama”.

Jojo está encantada com o rímel passado pela madrinha.

Outro dia vieram duas preciosidades, “maquiadeira”, referia-se a penteadeira e “estudadora”, estudante.

Com cuidado ela vai inserindo os vocábulos corretos, mas o mundo das palavras sob a ótica das crianças de 3 a 5 anos é muito encantador.

Quais utilizei para me expressar quando criança? O que consigo lembrar? Meus pais me  disseram que demorei muito para falar. Este silêncio ainda mora em mim. Apesar de gastar demais a saliva, passo mais tempo calado, agarrado no pensamento.

Desde pequeno, gostava muito de ouvir histórias. Depois vieram os livrinhos, eu tinha vários, curtia à beça. Quando lançaram a Arca de Noé, do Vinícius de Moraes, com diversos intérpretes, não cansava de ouvir. Foi neste disco que o poetinha surgiu em minha vida, escritor fundamental para o meu caminhar, lembrei destes versos que descobri na adolescência “Por isso fazia seu grão de poesia / E achava bonita a palavra escrita / Por isso sofria de melancolia / Sonhando um poeta / Que quem sabe um dia poderia ser”.

Arnaldo Antunes lançou o livro, Frases do Tomé aos três anos, em 2006.

Lançou, em 1991, As coisas, nesta época a sua filha Rosa estava com três anos e as ilustrações do livro foram dela.

Retorno a Jojo e o “vaso solitário”, ela está certíssima, a solidão paira sobre o vaso sanitário.

– Vocês são muito “viajeiros”, é o que nos fala a Soso, ao entrar nesta história.

Dei de escrever poemas infantis, é um universo riquíssimo que me aventuro. Seria eu um “Trabalhador de livros”? Como bem disse o aluno da minha esposa.

Lembro de uma menina singela que adorava brincar com um toco de madeira, ele tinha o nome inspiradíssimo de “Tocolinho”, quanta poesia neste personagem, gosto quando as crianças que, mesmo com brinquedos comprados, criam um mundo imaginário, um lugar só seu.

Eu costumava pegar um cobertor e fazer dele uma montanha, acreditava naquilo, era lá que eu montava a cenas. Gastava o tempo organizando aquilo, quando chegava a hora de brincar, resolvia guardar tudo.

Nova mensagem chega pelo whatsapp, “Massageira”.

Ao recriar espontaneamente palavras, estas parecem virar brinquedos de crianças. É assim que gosto de pensar.

Era uma vez um dicionário de vocábulos inexistentes, que aqui se fez, quer que eu conte outra vez?

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