ENTREVISTA: Anderson Estevan fala sobre ‘Samba de sétimo dia’, livro vencedor do Concurso Ria Livraria

Anderson Estevan

O escritor Anderson Estevan foi um dos nomes vencedores do Concurso Literário da Ria Livraria realizado em 2024 com o livro de contos Samba de Sétimo Dia. Publicado neste ano pelo EditoRia, selo editorial da Ria Livraria. O autor concedeu uma entrevista ao site da livraria e falou sobre o processo de escrita da obra e da sua participação no concurso. Leia abaixo.

Como já dizia o velho samba, a água que molha o coveiro é a que afoga o defunto. Ou seja, na morte, todos se igualam. Mas será que isso realmente é verdadeiro? Nesta coletânea, Anderson Estevan recorre às suas vivências e lembranças na periferia de São Paulo dos anos 90 para reconstruir uma paisagem do que é a vida do lado de lá da ponte. Nas histórias de Samba de sétimo dia, surgem sambistas de velório, jovens que encaram a vida do crime, trabalhadores e celebridades da periferia, sempre com os batuques da umbanda, dos exus nas encruzilhadas.

PERGUNTA: Como foi o processo de escrita do livro?

RESPOSTA: Foi uma ventania. Dois anos e meio quebrando e reconstruindo a linguagem, as histórias, preenchendo os espacinhos, os vãos que o texto deixa. Este é o meu segundo livro de contos e acredito que neste “Samba de Sétimo Dia” consegui encontrar o caminho da oralidade, desse encontro com a linguagem das ruas, com a música. É um livro muito musical. Os contos têm uma estrutura narrativa que caminha para um lugar melódico, de encontro e rima. Foi a minha tentativa de levar o Partido Alto para a literatura.

PERGUNTA: Como foi a escolha dos contos para o livro?

RESPOSTA: Quando terminei a escrita do “Gurufim”, o conto que abre o livro, percebi que ali estava um novo caminho de escrita, mesclando ficção e as recordações que tinha da infância e da adolescência. Estávamos na pandemia, e a nostalgia de andar pelas ruas, revisitar o que havia sido tomado de todos nós, foi inevitável. Foi a partir desse exercício que continuei estruturando cada uma das histórias, percorrendo caminhos que já não existiam, e que poderiam nunca mais voltar a existir. Escrevo devagar, então preciso ser efetivo. Todos os contos foram pensados e escritos exatamente para o livro. Só uma das histórias que tinha ficado como uma “rebarba”, e decidi tirar. A ordem também seguiu pelo mesmo caminho. Porém, aqui o negócio foi criar uma unidade rítmica entre as histórias, quase como num disco, com começo, meio e fim.

PERGUNTA: Poderia contar a “às suas vivências e lembranças na periferia de São Paulo dos anos 90 para reconstruir uma paisagem do que é a vida do lado de lá da ponte” a partir do desenvolvimento do livro?

RESPOSTA: São Paulo tem uma coisa curiosa: é possível viver uma vida inteira na cidade sem ter conhecido a Paulista, o Masp, os bairros centrais, enfim. A megalópole multicultural que todo mundo tem no imaginário. Até a minha adolescência, o meu mundo conhecido era a zona leste da cidade. Sou da Cohab 1, de Itaquera, e fui reconhecendo a cidade – para todos os efeitos – enquanto crescia. Vivia entre os campos do futebol de várzea, os sambas nas portas dos botecos, em terreiros, festas de Cosme e Damião. Era o tempo em que ainda não havia internet e os telefones celulares pesavam duas toneladas de tão pesados. Mesmo tão perto do centro da maior cidade da América do Sul, só fui me deparar com toda a velocidade, do cinza escuro de São Paulo, na vida adulta. Esse livro é um tipo de volta para a casa.

PERGUNTA: O original foi uma dos vencedores do Concurso Literário Ria Livraria, 2024. O que te fez se inscrever no concurso, assim como qual foi sua reação em ser um dos ganhadores?

RESPOSTA: Pois é, eu tinha acabado de escrever a oitava ou a nona versão, e estava deixando o texto descansar, antes de finalizar “pra sempre” o livro. Soube do concurso por um amigo, que me mandou o link, e eu decidi participar. Em tempos em que a literatura, a cultura de maneira mais ampla, é tão atacada e posta em dúvida, contar com iniciativas como essa, que buscam fazer o movimento inverso, de botar mais fogo no caldeirão, é genial e necessária.

PERGUNTA: Se fosse escolher um conto do livro para apresentar aos leitores, qual seria e o motivo?

RESPOSTA: Tenho tido um retorno muito legal sobre “As Infinitas Vidas de Ritinha Maravilha”, que tem sido o preferido dos leitores. Porém, eu considero “Gurufim”, o conto inicial, a matéria fundamental deste livro. Por ele orbita todos os elementos que quis trazer para o livro, a oralidade, o tom musical, a linguagem poética e a vida como celebração. É por lá que o axé se faz presente.

CONCURSO LITERÁRIO RIA LIVRARIA 

    Em 2024, a EditoRia, selo editorial da Ria Livraria, realizou o seu primeiro concurso literário, tornando-se um sucesso com mais de 2.500 obras enviadas para análise. A premiação também foi uma das maiores do país, oferecendo ao livro vencedor, além da publicação pelo selo, um valor em dinheiro de R$10.000,00.

    O objetivo do concurso foi de publicar autores que estão com seus livros prontos pelo país todo e não encontraram editoras, assim como construir um catálogo plural para o selo. Todas as obras em disputa teriam que ser inéditas e foram aceitas inscrições nos seguintes gêneros: poesia, contos, romance, biografia e literatura infantil.

    O concurso foi idealizado e organizado pelo editor e fundador da Ria, Marcos Benuthe, e pelo jornalista e escritor, Jorge Ialanji Filholini. Na primeira fase, foram recebidos 2.520 projetos, passando para 30 finalistas. A fase final premiou seis livros, tendo os autores Ademir Assunção, Cidinha da Silva e Monique Malcher na comissão julgadora.

    Os autores vencedores foram: Flávio Luis Sousa, Camila Assad, Anderson Estevan, Gabriel Agá Ferreira, Geruza Zelnys e Larisse Nolasco.

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *